Quem nunca foi chamado pelo peludo com uma patinha, latido ou pulinho e ficou perguntando “o que foi? o que você quer/precisa?” enquanto ele olha pra gente fixamente? Muitos de nós, tutores, já desejamos entender melhor que o peludo está sentindo. A primeira coisa que aprendemos é que ele quer carinho, comida, ou xixi, mas eles nos dizem muito mais do que isso. Queremos convidar a olhar uma comunicação mais sutil dos peludos, que ajuda a gente a entender melhor o que eles precisam.
Cães são muito observadores com cada gesto nosso: que sons e gestos fazemos quando estamos tristes, felizes ou tranquilos; nosso tom de voz e as palavras que mais usamos; o que significa ligar a televisão, desligar uma ligação de Zoom, ou pegar as chaves de casa. Vão entendendo as rotinas da casa, nossas disponibilidades e necessidades. Pois, observar eles também pode estreitar nosso laço, gerando mais entendimento mútuo e confiança, menos frustração e ansiedade, e mais leveza pra curtir.
Os cães são muito claros para dar indicativos do que eles estão curtindo ou não, e do que eles precisam, apesar de serem muito generosos e tolerantes - e por isso muitas vezes “topam” o que oferecemos mesmo não sendo o que queriam.
Cães evitam conflito, e mostram seu desconforto de forma apaziguadora, para amenizar a tensão e mostrar amizade, como quem diz “não quero, obrigada" ou “estou tenso, respeita meu espaço”. O maior problemas é que nós humanos entendemos muitos desses sinais apaziguadores dos cães como algo “fofo” ou “mansinho”.
Vamos então entender alguns desses indicadores mais sutis? Temos algumas dimensões:
Contexto
A base de toda linguagem, inclusive a humana, é relacionada ao contexto. Seja o ambiente, seja o histórico do cão, seja a rotina da casa, seja o que está acontecendo no momento. Quando estamos tentando decifrar os nossos cães é essencial observar o que aconteceu antes de cada gesto, por exemplo: percebi que o cão bocejou, mas isso foi no meio de um cochilo ou um passeio cheio de estímulos? Esses sinais são completamente diferentes. O espirro foi por um cheiro forte, uma alergia, ou ao ser contrariado?
Algumas vezes cães têm comportamentos deslocados, ou seja, sentimentos intensos com algo (como desconforto, frustração) que se expressam por uma atitude “fora de hora”, como por exemplo:
- se coçar muito, inclusive nas coisas, sem estar com alergia ou sujo, pode ser um jeito de aliviar stress
- roer intensamente um brinquedo quando o tutor chega em casa pode canalizar a intensidade do sentimento
- espirrar ou bufar pra dar vazão ao desconforto, ao sentimento de contrariedade ou revolta
- bocejar fora de contexto (sem ser sono ou tédio) é um jeito de acalmar em situações de stress ou tensão
- sacudir o corpo, como se estivesse molhado, é um jeito de amenizar o stress
- pegar coisas do chão para oferecer ao humano pra acalmar a situação
Linguagem corporal
Começando por um clássico: quando seu peludo mostra a barriga ele quer carinho, certo? Bom, não necessariamente. Pode ser um jeito educado de dizer “não quero”, sem confronto. Amenizar o conflito e reafirmar que está tudo bem é muito importante pros cães. Vamos ver duas situações que poderiam ser parecidas, mas são opostas:
- Barriguinha pra cima que indica “estou curtindo o carinho”
- Corpo relaxado, olhar mais sossegado, olhos semicerrados, orelhas soltas, movimentos mais suaves. Ao pausarmos o carinho ele pede mais, oferecendo uma parte do corpo, com algum som ou movimento de cabeça e olhos.
- Barriguinha pra cima que indica “não, obrigado”
- Corpinho mais duro, olhos mais tensos ou evitando seu olhar, lambendo a boquinha ou bocejando ou com a boca muito fechada e tensa, orelhas mais duras ou jogadas muito pra trás, mexendo o rabo rápido com movimentos curtos, protegendo as costas contra algo como o sofá, ficar bem pesado para não ser pego no colo, fechar as patinhas da frente.
Um outro exemplo é quando você está sentado, ou parado, e seu peludo chega até você. Vamos observar três situações aparentemente parecidas, mas totalmente diferentes:
- Proximidade que significa “vim pedir carinho”
- O cão vem até você e encosta, corpo mais relaxado, “oferece” pra sua mão a parte do corpo onde quer o carinho, o olhar é relaxado e semicerrados, boca mais solta e aberta. Quando você pausa o carinho, ele pede pra retomar chamando com o rosto ou o corpo.
- Proximidade que significa “preciso de conforto e segurança”
- O cão vem até você e encosta, mas geralmente com a atenção dividida, observando também a situação que está deixando ele tenso (seja outro cachorro, uma pessoa, um barulho, um cheiro, um local). Ele fica perto e aceita carinho, mas fica com o corpo mais durinho, orelhas atentas e apontando para a situação tensa, olhos abertos, boca tensa ou fechada.
- Proximidade que significa “quero algo específico”
- O cão vem até você, pode chamar com o corpo, o queixo ou a pata. Habitualmente olha fixamente, e não relaxa ao ganhar carinho (não veio pra isso). Se tem oportunidade, pode mostrar melhor o que precisa, apontando com o corpo, as orelhas, o olhar.
Alguns gestos importantes:
- afastar a cabeça, mesmo sem afastar o corpo, é um “não” educado
- lamber o nariz e a boca é um jeito educado de dizer que está desconfortável
- dar beijos nossa mão pode ser um jeito amoroso de pedir para parar o carinho
- olhar de canto, e meio de baixo pra cima, parece fofo mas geralmente é um sinal de desconforto ou receio
- acompanhar a gente com o olhar de baixo pra cima e mexer um pouco o rabo pode ser um gesto protetivo que significa “não mexe, respeita meu espaço”
- pausar o que esta fazendo, olhar pra algo que assustou e olhar pro tutor em seguida pode ser um pedido de conforto, receber confirmação de que está tudo bem
- ficar paradinho com a cabeça tensa e olhando pro "além” concentrado enquanto recebe carinho pode sinalizar que o cão está mais tolerando o carinho do que curtindo
- piscada lenta e pesada pode ser um jeito de acalmar a tensão e pedir espaço
- balançar o rabinho de forma leve e curta, sem mexer o resto do corpo, pode ser um sinal de acalmar a tensão e pedir espaço
- manter distância, mesmo quando está chamando atenção do humano com o olhar fixo, sons e as patinhas, aponta que não quer carinho mas outra coisa
Geralmente o cão desconfortável não se afasta totalmente, mas vai sinalizando com sutileza que não curtiu algo. Se nós insistimos muito, e ele não consegue lidar com o desconforto, pode reagir de forma mais intensa pra se fazer respeitar. Um exemplo disso é um cão mansinho que não late, sendo segurado pelo seu tutor para que crianças possam fazer carinho durante o passeio: se se ele tenta se esquivar, dizer que está tenso e se sente ameaçado, e não é respeitado, pode sentir a necessidade de avançar para se proteger. O tutor, sem ter entendido os sinais de desconforto do cão, é pego de surpresa e pensa “meu deus ele é tão mansinho, não sei o que aconteceu” .
Consentimento
E como faz pra não insistir demais, e respeitar essas indicações dos cães? Com consentimento! Vamos explicar: os cães, entre si, tem o hábito de pedir consentimento e respeitar o espaço um do outro. Como acontece isso? Bom, em brincadeiras amigáveis sempre tem uma pausa pra testar se o outro ainda está afim. Isso acontece múltiplas vezes durante qualquer interação, repare. Nessas pausas para checar o outro pode sinalizar se quer continuar igual, se quer parar, ou se quer continuar brincando de outra forma.
Já nós, humanos, tendemos a fazer carinho quando temos vontade, e interagir como achamos que vão gostar, mas dificilmente dando uma pausa pra verificar se estão curtindo, se querem parar, ou se querem mudar o local ou intensidade do carinho. Um exemplo disso é um cão pequeno que está andando pela casa, vivendo sua vida, e de repente é pego no colo pra receber carinho (mesmo que estivesse a caminho do banheiro, ou de pegar um brinquedo, ou comer). Ele tolera, ele aceita, mas não era isso que queria nesse momento.
É uma das características dos cães que são estereotipadas quando comparados com gatos, que muitas vezes fazem valer seu espaço pessoal com unhas e dentes se ignoramos seus sinais.
É muito interessante ver como o conceito de consentimento sido considerado na educação de crianças, e também no cuidado com cães. E como podemos implementar isso? Como os próprios cães:
- Observando sua linguagem corporal antes de colocar a mão ou interagir.
- Fazendo pausas no carinho ou brincadeira regularmente, para ver se o cão está curtindo. Se estiver ele vai pedir mais. Se não, vai sinalizar para parar, ou mudar a forma de interagir.
- Tendo paciência e dando tempo para que se façam entender sobre o que querem, ajudando a construir confiança dele no entendimento mútuo, e gerando menos ansiedade e reatividade.
- Usar palavras, sons e gestos de forma consistente para que se construa uma linguagem entre vocês.
Sabe quando uma criança quer algo, chora na tentativa de dizer o que precisa, mas antes disso já recebe a mamadeira… e para de chorar? Nosso instinto de cuidar muitas vezes impede que o outro aprenda a dizer o que precisa. Se perguntarmos ao cão o que ele precisa, e prestarmos atenção na linguagem dele, e formos testando alternativas, podemos ir aprendendo juntos o que cada gesto significa.
Muitas vezes nossos peludos só querem estar tranquilos junto da gente, ficar curtindo a companhia sem precisar nos agradar, brincar ou ganhar carinho. E tem intimidade maior do que ficar à vontade com alguém que a gente ama?
Esperamos que estas reflexões façam sentido, e que as dicas ajudem na fluidez da troca entre vocês. Assim, com confiança e cumplicidade, a gente se curte muito mais!